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Brasil, Economia, Isso é o Brasil

Conta de luz deve ficar 7,17% mais cara nos próximos oito anos. De quem é a culpa?


No último dia 21/02 a Agência Nacional de Energia Elétrica aprovou Portaria que determina o pagamento de indenizações às concessionárias que aderiram à Medida Provisória 579/12 (posteriormente convertida na Lei 12.783/13) que antecipou a renovação das concessões e criou um conjunto de novas regras para o setor elétrico. Com isso, estima-se que a tarifa de energia elétrica vai ficar em média 7,17% mais cara pelos próximos oito anos, tempo estabelecido pelo Ministério de Minas e Energia no início de 2016 para que o custo das indenizações devidas às transmissoras seja amortizado através das tarifas cobradas aos consumidores. O valor total dessa conta chega a R$ 65 bilhões, dinheiro suficiente para terminar as obras das Usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, instalar as linhas de transmissão dessas três usinas e fazer duas transposições do Rio São Francisco.

Logo após a publicação da Portaria, iniciou-se uma feroz batalha de informações, colocando de um lado, os simpatizantes da “esquerda” que atribuem ao atual Governo Temer a responsabilidade pelo aumento, e de outro, os detratores do PT culpando a ex-presidente Dilma pelo o que seria a consequência de uma intervenção atrapalhada no setor elétrico em 2012, com fins meramente eleitoreiros.

Quem está dizendo a verdade? Pelo conteúdo das mensagens postadas nas redes sociais, fica claro que nem um lado nem outro conhece a questão. Para ambos, a leitura do artigo é imprescindível, para que não fiquem repetindo seus mantras vazios de conteúdo e cheios de ignorância pelas redes sociais.

Anúncio de uma nova era ou um presente de grego às vésperas da eleição?

dilma

Em setembro de 2012, às vésperas das eleições municipais, a então presidente Dilma Roussef ocupou a rede nacional de rádio e TV para anunciar, entre outras medidas de “estímulo à economia”, a redução das tarifas de energia elétrica. Segundo o pronunciamento da ex-presidente, os consumidores residenciais teriam uma redução de 16,2% nas suas contas de luz e o setor produtivo seria ainda mais beneficiado, com uma redução que chegaria a 28%. Segundo Dilma, a diminuição do preço da energia faria parte da estratégia de seu governo para reativar a economia nacional, agregando o fator competitividade ao tripé do que chamava de “modelo de desenvolvimento do Brasil”.

O anúncio, como se podia prever, impactou fortemente o resultado das eleições. Não apenas o PT cresceu em número de prefeituras, de vereadores e de munícipes governados, como a oposição sofreu duras derrotas, especialmente nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, capitais de Estados governados pelo PSDB cujas empresas estatais de energia elétrica não aderiram ao programa criado por Dilma (maquiavelicamente, o prazo dado para as concessionárias aderirem ou não era 15 de outubro, portanto antes do segundo turno das eleições). Mas se em muitos casos a adesão foi forçada pelas circunstâncias políticas, a não adesão da Cemig (MG), da Cesp (SP) e da Copel (PR) teve um motivo econômico-financeiro bastante claro: o valor das indenizações definidas pelo Governo estava bastante abaixo daquele estimado pela empresas

Com o apoio do PMDB de Temer e Renan Calheiros (que foi o relator da Medida Provisória) o Governo aprovou em tempo recorde a MP 579/12, que reduziu encargos setoriais que incidiam sobre a energia elétrica e – o “pulo do gato” – possibilitou a antecipação da renovação das concessões de geração e transmissão para as empresas que aderiram ao programa por mais 30 anos, com redução de tarifas e receitas.  Isso representou uma grande vitória política do governo petista, não apenas em termos eleitorais como também ao desmoralizar seus opositores, e isso não passou em branco durante o pronunciamento que Dilma faria em janeiro de 2013 confirmando a redução das tarifas de energia elétrica em percentuais ainda maiores que aqueles anunciados em setembro: “cometeram o mesmo erro de previsão os que diziam, primeiro, que o governo não conseguiria baixar a conta de luz. Depois passaram a dizer que a redução iria tardar. Por último, que ela seria menor que o índice que havíamos anunciado”.

A conta de luz, neste ano de 2013, vai baixar 18% para o consumidor doméstico e até 32% para indústria, agricultura, comércio e serviços. Ao mesmo tempo, com a entrada em operação de novas usinas e linhas de transmissão, vamos aumentar em mais de 7% nossa produção de energia e ela irá crescer ainda nos próximos anos”, disse Dilma durante o pronunciamento de pouco mais de oito minutos, para o delírio dos eleitores das cidades e periferias, onde prevalecia o sentimento de alívio com a redução das tarifas. Entretanto, o sentimento era de dúvidas e incertezas entre especialistas e o próprio mercado, que já naquele momento questionava sobre as consequências a longo prazo, porque na vida real não existem soluções mágicas e todo “pulo do gato” é um engodo que traz embutido em seu bojo a semente do fracasso.

O “Pulo do Gato” – O que foi a MP 579/12

Para tornar insuspeita a explicações sobre o que foi a MP 579/12, recorro às explicações de uma “Nota Técnica” produzida pelo Dieese – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos – publicada logo após o anúncio da medida (todos os grifos são nossos):

Renovação das Concessões no Setor Elétrico – Algumas Considerações e Consequências.

“Pelo programa, serão eliminados dois encargos (CCC e RGR), outro será reduzido em 75% (CDE) e a data final dos contratos de concessões – que terminariam nos próximos 60 meses – deve ser antecipada para o início de 2013. Em relação aos encargos setoriais, o governo federal se comprometeu, através do Tesouro Nacional, em fazer um aporte anual de R$ 3,3 bilhões para manter parcialmente os programas custeados por esses encargos.

Quanto à antecipação do vencimento das concessões, as empresas poderão optar em renovar os contratos por mais 30 anos e aderir às novas condições. Caso façam a opção, haverá uma indenização correspondente à parcela dos investimentos ainda não amortizados ou não depreciados, que será calculada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e paga via recursos existentes na conta do encargo RGR. A partir de então, as empresas detentoras dessas concessões passarão a gerar e transmitir energia recebendo uma tarifa pela prestação dos serviços de operação e manutenção. (…)

O objetivo de indenizar os investimentos é para que os custos de capital (remuneração e depreciação) – que representam em torno de 2/3 do custo da geração e transmissão de energia na receita final da concessão renovada – não apareçam mais. A indenização terá como valor de referência o Valor Novo de Reposição (VNR) que corresponde ao valor do bem novo de um ativo, idêntico ou similar ao avaliado”.

Para que você entenda: os encargos setoriais são contribuições que constam da tarifa elétrica – ou seja, é o consumidor que as paga – mas que não são impostos ou tributos. São instituídas por Lei, e seus valores são estabelecidos por resoluções da Aneel com objetivo obter recursos para financiar necessidades específicas do setor elétrico. O CCC – Conta de Consumo de Combustíveis – foi instituído para subsidiar a geração térmica dos sistemas isolados, ou seja, para cobrir os prejuízos resultantes do acionamento das usinas térmicas pelas operadoras – uma vez que o custo de produção desse tipo de energia é bem mais caro que das hidroelétricas. No caso do RDR – Reserva Global de Reversão – essa contribuição existia justamente para indenizar ativos vinculados à concessão e fomentar a expansão do setor elétrico, transformando-se em uma importante fonte de financiamento para o setor, atendendo especialmente as empresas que enfrentavam restrições de financiamento no BNDES. Esses dois encargos foram extintos pela MP 579/12, representando cerca de 5% dos 18% de redução prometidos pelo Governo.

Onde está a mágica? Vejamos como funcionou a lógica atrapalhada do Governo petista: extinguem-se os encargos setoriais CCC e RGR e a conta de luz para o consumidor cai imediatamente 5%. Antecipa-se a renovação das concessões obrigando as geradoras e transmissoras às novas regras do setor elétrico, que na prática reduziram suas receitas. Em contrapartida, o Governo promete às concessionárias indenizar todos os investimentos realizados pelas empresas até 31 de maio de 2000 e que não tinham sido amortizadas pela tarifa que vigorou até a renovação. Pagam-se as indenizações com o saldo daquelas contas e a partir daí as concessionárias não podem mais embutir no preço da energia elétrica seus custos de capital, o que representaria uma redução de mais 13% nas contas dos consumidores.

Perfeito, não fosse a dura realidade. Em novembro de 2012 o governo comprometeu-se a pagar, até junho de 2015, R$ 20,91 bilhões às empresas do setor elétrico no âmbito do processo de renovação das concessões. Entretanto, em janeiro de 2013 o saldo da RGR era de R$ 15,25 bilhões, inferior, portanto ao que estava compromissado. Para piorar a situação, ao longo daquele ano o Governo usou parte daquele saldo para bancar o socorro financeiro às distribuidoras e evitar um forte aumento das tarifas de energia em 2014 (ano de eleição!!!). Dessa forma, cerca de R$ 4,99 bilhões foram transferidos da RGR para a CDE – Conta de Desenvolvimento Energético, cuja captação fora reduzida em 75% pela mesma Medida Provisória.

Ao final desse imbróglio, somente as indenizações devidas às geradoras haviam sido pagas. Faltava ainda pagar a indenização dos ativos de transmissão e os investimentos em melhorias dos ativos de geração e transmissão. Mas o dinheiro havia acabado, forçando o Governo a sucessivas manobras protelatórias (pedaladas?) que acabaram acrescentando mais R$ 35 bilhões à conta, que até então deveria ser paga pelo Tesouro Nacional.

Em abril de 2016 – portanto ainda durante o Governo Dilma Roussef – o Ministério das Minas e Energia publicou a Portaria nº 120/2016 que estabelecia regras para o pagamento da indenização das transmissoras. Segundo o documento, os valores devidos passariam a compor a base de remuneração regulatória das empresas, ou seja, seriam repassados às tarifas de energia dos consumidores e que isso seria iniciado a partir do processo tarifário de 2017. E pior ainda – para o consumidor – a Portaria também estabeleceu que o custo de capital incorrido pelas empresas fosse acrescido ao saldo devedor, elevando a dívida aos R$ 65 bilhões anunciados esta semana pela Aneel.

A resposta então para a pergunta formulada logo no início do texto é clara: foi o governo petista quem tomou a iniciativa de interferir no setor elétrico, extinguindo encargos setoriais e propondo a renovação antecipada das concessões, prometendo às concessionárias a contrapartida do pagamento de indenizações pelos ativos não amortizados. Também foi o Governo Dilma quem deixou de pagar as indenizações prometidas, o que descapitalizou as empresas do setor elétrico, restringindo novos investimentos e causando o fracasso dos leilões de novas linhas de transmissão, comprometendo a própria expansão do setor.  Também foi durante o Governo Dilma que o Ministério das Minas e Energia transferiu aos consumidores a responsabilidade pelo pagamento da dívida com as concessionárias, pagamento este que desde abril de 2016 já estava determinado a acontecer a partir de 2017. Então, sem dúvida, a culpa pelo aumento da sua conta de luz nos próximos 8 anos é da Dilma!

Aumentos na conta de luz, apagões e a inviabilização do Setor Elétrico – As Consequências da Trapalhada Petista

Em seu pronunciamento de janeiro de 2013, quando confirmou o anúncio da redução nas contas de energia elétrica para os consumidores, a ex-presidente Dilma fez um quadro bastante otimista em relação ao setor energético no Brasil: “No caso da energia elétrica, as perspectivas são as melhores possíveis. (…). Isso significa que o Brasil vai ter energia cada vez melhor e mais barata, significa que o Brasil tem e terá energia mais que suficiente para o presente e para o futuro (…)”.

Falava já como candidata à reeleição, de modo que ainda hoje não sei dizer se eram apenas bravatas ou se mentia descaradamente, uma vez que o setor elétrico nunca havia estado em pior situação desde os apagões de 2001.

Só no ano de 2012 foram verificados 62 apagões no Brasil, com destaque para o de 26 de outubro, com carga interrompida de 12.900 megawatts, que deixou toda Região Nordeste no escuro.  Em 2013 o país amargou 45 blecautes com carga de energia interrompida acima de 100 megawatts. Destes, o ocorrido em 28 de agosto deixou sem eletricidade os estados do Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Pernambuco, Bahia e Paraíba. Em 2014 foi a vez dos estados do Sudeste, do Sul e do Centro-Oeste a enfrentarem sucessivos apagões, obrigando o Governo a acionar as centrais termoelétricas, o que causou um total desequilíbrio econômico-financeiro no setor elétrico, uma vez que o custo médio de produção desta energia era de cerca de R$ 900/megawatt-hora (MWh) – contra os R$ 180/MWh das Centrais Hidroelétricas – para um preço de venda ao consumidor de R$ 140/MWh.

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Dessa forma, depois de experimentar uma queda de aproximadamente 16% em 2013, o preço da energia não parou mais de subir: em 2014 o reajuste médio ficou em 17,06% e em 2015, a conta luz aumentou, em média, estratosféricos 51%, chegando a mais de 70% na região Sudeste. Em 2016, já sob o espectro do impeachment, o governo Dilma autoriza a mudança da bandeira tarifária, de vermelho para amarelo, o que no final do ano permitiu ao novo governo Temer comemorar uma queda média de 10,66% nos preços da energia elétrica para o consumidor (Todos os dados são do IBGE – IPCA).

Tendo sua receita reduzida – primeiro pelos efeitos da MP 579/12 e depois em razão da queda no consumo induzido pelos aumentos nos preços da energia elétrica – tungados no pagamento das indenizações devidas pelo Governo e pagando mais caro para produzir energia, o setor elétrico despede-se do Governo petista gravemente descapitalizado, sem condição de investir. Nesse momento me vem à lembrança a Nota Técnica do Dieese publicada em 2012, logo após o anúncio da MP 579/12, que hoje toma ares de profecia: (…) “A redução da tarifa não pode incorrer no erro de inviabilizar as empresas sob pena de comprometer a própria expansão do setor fazendo com que as tarifas sejam mais caras no futuro”.

A culpa é da Dilma, sim! A culpa é dos Governos petistas, que ao longo de mais de uma década enganou, roubou, pedalou e viveu de remendos, manipulando a opinião pública com discursos mentirosos, apresentando um Brasil que não existia, enquanto deixava de realizar os necessários investimentos em infraestrutura que viessem a proporcionar ao país uma oferta de energia elétrica com preço justo e orientada para a segurança energética.

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